quinta-feira, 5 de julho de 2007

Sinfonia do fim do mundo


Como cão sem dono, daqueles atolados de pulgas e viradores competentes de latas de lixo, Franjão passa as todas as noites, as frias e as quentes, andando pela cidade escura e tosca. Ele caminha pelos becos aziagos, dominados por quadrilhas de mendigos famintos que lutam entre si pela necessidade de possuir alguma coisa, nem que seja um beco imundo, colorido com as tonalidades estranhas do lodo.

Trajando bermudas esverdeadas pelo tempo, camisa estampada com o rosto de um ídolo pop, dezenas de cordões e bijuterias simples, dedos tortos decorados com anéis de caveira, dentes amarelados devido ao tabaco feroz que consome, único companheiro de trajetória tão lírica. Ele mora num desvão inclinado, entre a Rua da Laranja e a Avenida Beija-flor, dorme de dia e avacalha a vida durante as madrugadas.

Come as gororobas mais acessíveis, tendo paladar refinado, conhecedor que é das comidas ruins distingue bem o gosto das coisas. Bebe a água das fontes públicas, a cachaça barata e deliciosa feita pelos marginais do Beco Aurora. Carrega consigo, sem medo de sonhar, um violão velho que encontrou destroçado num latão de lixo, e canta como um anjo.

Sua voz tem ares de poesia, prega no ar úmido da madrugada uma noção estranha de santidade. Nunca ouvi coisa melhor. Ele canta de tudo. Bossa, rock, o pop velho e sem dentes da atualidade. Os mendigos, os homens-ratos, as mulheres decrépitas e avantajadas, que desprendem um cheiro forte de sexo, os zumbis esquecidos, habitantes da noite, todos param para ouvir a música salvadora do violão encantado.



Mauricio Mayckon...

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