segunda-feira, 13 de agosto de 2007

As sombras


A noite foi longa. Mayara caminha sem pressa sobre a calçada. Os saltos incomodam e o sol aos poucos preenche o esconderijo das sombras. Alguns passantes olham Mayara com olhos de padre. Ela é grande, incomum. Não há outra definição. Parceiras da noite trocam acenos e sorrisos com ela, perguntam se a noite foi boa. A noite não é uma criança, não há bondade alguma nela.

Mayara sacoleja o pandeiro enquanto anda. Os moradores de rua conhecem seu caminho, suas estórias, as brigas com navalha. Ela tem uma cicatriz no abdômen, já levou bala na perna esquerda, e apanhou muito pela vida afora. Gosta de Blues, Cross Road, mas o ritmo de sua existência é o brega dos anos 60. Mayara se fez mito nas noites escondidas.

Um velho ameaça correr atrás dela, o sol desfaz a aura de mistério e poder que só a lua permite. O corpo dói, consumido pelas exaltações furiosas das células, tem cheiro de sangue. A carne apodrece aos poucos, pensa ela de vez em quando. Olha a cidade, sabe que todos estão a olhá-la. Tem o forte desejo de beber vodca, nada melhor pela manhã. Numa esquina imunda compra flores, prefere flores a animais; prefere flores a pessoas. Finalmente chega ao seu prédio, foge da chuva que começa a cair.

- Oi, seu Luiz. – diz Mayara.
- Oi. – diz o porteiro do prédio, com a brasa viva da curiosidade nos olhos.

Ela entra no apartamento. Se desfaz dos saltos, arranca com fúria a peruca. Tira os colares, os brincos, a roupa toda. Banha-se, esfregando com garra o rosto para se livrar do brilho e da maquiagem pesada. Olha a cidade cambiante sendo apagada pela chuva. Tem impulsos niilistas. Veste o terno, a gravata, as calças de homem sério. Desce os degraus, odeia o elevador.

- Sua irmã chegou neste instante. Rapaz tira tua irmã da vida fácil. – disse o porteiro com pesar na voz.

- Eu tento seu Luiz, eu tento.




Mauricio Mayckon

Nenhum comentário: