terça-feira, 8 de maio de 2007

Da Janela...


Queria lhe dizer algo que não lembro. Agora parece que me sufoca a saudade de uma lembrança, talvez o simples fato de haver uma lembrança remete a quem a sente uma saudade desmesurada. Não parta sem antes me ouvir, nunca me ouvem. Queria, de certo, dizer-lhe que nasceste de mim, como um acalanto e de repente se tornou uma tempestade, ou algo que chora. Há tanto a ser dito, e talvez haja algo em sua mala, tem certeza que levaste tudo? Acho que sim, levaste mais do que lhe cabe. Até aquela minha calma convulsa, o meu jeito de ser sem jeito, as bebidas escondidas e as farras desmedidas. Leva minha posse física dos braços. Não preciso do que me segura em terra, antes houvesse asas, talvez voaria e pouco me preocuparia a certeza das pernas. E talvez voasse longe, como aqueles pássaros que migram do sul, como se fossem donos do ar; não se dão ao trabalho de olhar para baixo, olhar embaixo, olhar típico do ser humano, que não sabe ser, se não for, humano. Vai, sei que andarás como quem plana. E se aproveite do que me roubaste de maneira premeditada: as minhas damas nuas, expostas aos olhos de quem apenas as vêem despidas da proteção do mundo, eu não, não as via nuas, apenas despojadas em carne, em alma, sublimes e cruas, as minhas damas das ruas.
E de súbito, lhe digo que vá, aquilo que sempre quis lhe dizer é indizível. Sabe aquilo que te possui como quem quer saltar inerte? Talvez uma frase – ou mesmo palavra – que não existe nos aurélios, apenas nos espaços que se elevam em si mesmos. Daqui do meu quarto te expulso poema. Dizem que voas, dizem que tu planas como que conduzido pelos movimentos de umas das virgens muçulmanas, umas das donzelas desprotegidas que vagam nas páginas das mil e uma noites. Dizem que tens a leveza de uma pluma, pois ordeno que vá como um pássaro, um pássaro como Valéry, direto, constante e leve. Leve-me um pouco de mim para o alto, para o imenso, para o imensamente alto.


Alexandre Grecco, 2007

Um comentário:

Ilana disse...

O final desse texto me lembrou um poema que eu li em algum lugar... Gostei da adaptação.