terça-feira, 29 de maio de 2007

Doces


O garoto não tem mais de 10 anos. Com roupas sujas e molhadas de suor, pele morena e rosto que desconhece a timidez ou vergonha de encarar estranhos de face tão séria, ele entra no ônibus e oferece em alto e bom som as mercadorias de sua lavra, doces e guloseimas de qualidade duvidosa, que são comprados pelos “clientes” não tanto pelo sabor, mas para a tentativa de salvação das próprias almas. A estratégia de marketing, que prima pela repetição de fórmulas batidas e carrega uma simplicidade sem limites, não vai além do pedido de ajuda, afinal, o menino não tem o que comer, nem onde brincar, quiçá estudar.
Sua voz é frágil e não viaja até os fundos do transporte, tem uma sonoridade repartida, aguda demais, revela um português errado, se é que tal coisa existe, e as palavras correm umas por cima das outras, misturando o que não se deve. O efeito do espetáculo demarca situações variadas entre os passageiros. Um rapaz de seus vinte e cinco anos estampa um sorriso frugal, devido ao ar cômico do garoto. Mas a maior parte dos presentes evita mirar os olhos do menino. Carregam em si certo incômodo inominável, espécie de culpa que só existe em tal momento.
Neste seu comércio esfacelado, sem ponto fixo, movente, cruzando a cada dia diversas pistas, novas paragens, desafiando outros rostos sérios, o garoto usa os mesmos esquemas. O que a vida ensina tem lugar imprescindível nos desassossegos do tempo, mas indispensável se faz, diria um professor, o conhecimento de outras áreas. Há uma fronteira de cacos de vidro entre o menino vendedor e um futuro generoso.
O garoto desfia comentários de agradecimento, expõe um sorriso de poucos dentes que impõe uma imagem ainda mais desoladora a sua pessoa, e vai embora, quem sabe procurar outro ônibus, se deparar sem saber com outro jovem metido a escritor e, como tudo na vida é um eterno retorno, ter-se transformado novamente em palavras. Sendo, antes de tudo, imortalizado.



Mauricio Mayckon

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