sexta-feira, 18 de maio de 2007

Garotos e Marias


Todos os caminhos de minha adolescência levavam ao Beco Trovão, espelunca idílica e abrigo amargo dos desocupados e fugitivos da vida. O ambiente escuro e tomado por tipos estranhos flutuava numa fumaça suja. Não havia pessoas ali, apenas sombras doentes. O enxofre não fedia tanto quanto o bar, mas os seres presos naquele canto esquecido esqueciam do resto das coisas.
Passava horas e horas no Trovão, trocando idéias simples com amigos banais, beliscando petiscos esquisitos, escondendo o rosto do dia, fugindo das notas vermelhas, procurando um caminho errante. O Beco Trovão era apenas uma materialização do que Freud chamou de Id, ou melhor, um bálsamo do inconsciente. Lá se encontravam os tipos mais estranhos, provavelmente alguns fugitivos, entre eles diversos seres iguais entre si, mas difíceis de ver em plena rua. E as poucas mulheres que se aventuravam a passear pelas brechas das mesas, não eram nada além de prostitutas baratas. Prostitutas bem educadas com garotos como eu e meus colegas, mas que de respeito tinham apenas os nomes: Maria, Maria do Socorro, Maria Conceição, Marias.
Devo a esse antro de marginais bons aprendizados. Sei o quanto uma conversa de bar pode clarear o pensamento e derreter dúvidas. Admito tranqüilo que muitas coisas na vida são mais bem resolvidas com um tiquinho de gingado, algo que não se aprende na escola. “Mestres de bar, mestres de vida”, disse-me certa vez um ilustre professor de minha mãe.
Hoje o Beco Trovão reverbera como uma onda compassada em minha memória, e desisto de tentar recorrer aos detalhes mais ordinários do recinto. Entre doses proibidas de álcool e gordurosos tira-gostos de não-sem-o-quê, ainda me sobra a certeza de que a transgressão, a quebra de regras, o estar num local proibido, movimenta o âmago da juventude, ou da pós-juventude, até mesmo da velhice. Viva o Beco Trovão, lugar politicamente incorreto, berço da troça e da tragédia nossa de cada dia.



Mauricio Mayckon

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