quarta-feira, 6 de junho de 2007

Recomeços


Debaixo do céu sem limites, acuado pelas dobras das ruas, cheirando a esgoto e vestido com roupas coloridas e cintilantes, Ribeiro queria reaprender a viver. Nascido e criado numa pequena e escondida cidade, desde cedo se fez mestre na arte de mentir. A eloqüência que imprimia às frases, os verbos sempre bem conjugados com argúcia, a destreza em transformar informações simples em sentenças complicadas, quase eruditas, e a capacidade de omitir e falsear olhando nos olhos de seu interlocutor, o transformaram num mito.
Deixou a vila em que nasceu após conquistar o que podia e, confiante em seu talento único, seguiu o caminho da cidade grande, local constante em seus sonhos e delírios noturnos. Ao chegar ao destino certo, carregando na bagagem algum dinheiro e o dom que julgava ter, sentou num bar. Comemorar a vitória, agradecer a si mesmo, afinal, a quem mais devia gratidão? Pediu o cardápio. Não havia. Bebeu o primeiro e o segundo drinques. O terceiro e uma fila de outros. Dançou mambo, rebolou com carisma no ritmo da lambada, ao seu redor os objetos se moviam, olhos no meio da penumbra acompanhavam seus movimentos. Caiu.
Despertou sem sobressaltos sobre uma cama macia, muito bem colocada num quarto impregnado pela fragrância de hortelã, e ali ficou sem saber onde estava por alguns dias. Ninguém falava com ele. Ao final do pareceu ser uma semana, se contarmos o tempo real e o imaginário, recuperado dos terrores do fígado e sentindo-se outro, foi solto nas ruas. Descobriu que o poder de persuasão, sinônimo para mentira, que carregava há anos, não surtia efeito nos moradores da cidade grande. Eles, tão acostumados às mentiras dos outros, elevadíssimas no grau de criatividade, e nas próprias enganações, estavam imunes ao veneno fino e erudito da falsidade de nosso amigo interiorano. Por isso ele caminha pelas ruas com uma placa em que se pode ler: “Preciso reaprender a viver”.



Mauricio Mayckon...

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